Nosso planeta está num momento de busca por respostas que ofereçam o resgate do que é simples, do que é a favor da natureza e do homem, tanto do seu bem estar individual como das práticas cooperativas e democráticas. Existem muitas iniciativas importantes, por toda parte. Há experiências na agricultura, na agroecologia, na biologia, na educação. Além de reformular estruturas sociais e econômicas é importante reformular pessoas e valores. Partindo desta necessidade a escola, como instituição, precisa repensar sua prática. Mas, como trabalhar a educação infantil neste caminho? Como estimular as competências necessárias neste futuro próximo e imprevisível? Como desenvolver autonomia, respeito à diversidade, ações democráticas, expressão de sentimentos e opiniões? Como garantir que as crianças aprendam a ser, conviver, fazer e saber? A Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI num relatório para a UNESCO afirma que é um “Tesouro a descobrir”.
Muito tem a refletir a escola e as famílias. A ciência da educação vem se desenvolvendo amplamente, assim como a neurociência e a psicologia. Não há motivos para permanecer fiel a velhos modelos, que classificam, hierarquizam e homogeneízam o ser humano. Sistemas caducos, que já provaram sua defasagem.
A Maré busca encontrar respostas para estas questões, uma das estratégias é oferecendo um ambiente rico em diversidade, tanto ou mais do que vivem além de seus muros. A nossa escola trabalha com um sistema multietário num espaço onde o “Lá Fora” é amplo e o “Tempo Livre” um momento importante e necessário. A brincadeira de quintal toma a maior parte do período da rotina das crianças da educação infantil para que as crianças, egocêntricas por natureza, vivam necessidades de aprendizagem social e a busca da solução de seus conflitos, sejam eles internos ou interrelacionais.
A escola considera a Mediação de Conflitos um dos focos de seu trabalho, ou seja, sempre que as crianças se desentendem, o nosso olhar e ouvidos foca o que está acontecendo. Reconhecemos que a questão emocional é o mais importante. Acolher os envolvidos é o passo seguinte. A criança que chora é abraçada, acalentada para que possa conversar. Assim os envolvidos são convidados a relatar o acontecimento que gerou a briga. Todos têm direito a voz, inclusive as testemunhas que sempre desejam ajudar. O papel do educador é certificar-se que todos puderam expor sua versão e principalmente oferecer a oportunidade de reflexão para que os envolvidos encontrem uma solução que satisfaça a maioria. Os menores, que ainda não verbalizam, recebem voz de interlocutores que têm vivo na memória o sentimento de vivências semelhantes. O educador precisa despir-se de seus próprios julgamentos, de sua forma de ver a justiça e dar voz para que as crianças sugiram um combinado. Esta prática de verbalizar sentimentos e fatos desenvolve-se na medida em que a criança cresce e de acordo com o tempo de permanência na escola. Não é incomum que a escola ao receber crianças de 4 ou 5 anos iniciando sua escolaridade, encontre nelas personagens que tem dificuldade de se colocar e de aceitar acordos, o que mostra claramente o quanto esta prática é bela. Muito rapidamente as crianças aprendem a dizer “Eu não gostei!” em defesa de seus sentimentos. Fato considerado vitória para os bebês e posteriormente torna-se corriqueiro, mas necessário. É por aí que se inicia a resolução dos conflitos internamente. A criança orientada a expor sentimentos percebe o valor deles perante o outro e a possibilidade de elaborá-los.
Quando se fala em conflitos na educação das crianças é comum pensar em um primeiro momento em briga, agressividade ou braveza entre as crianças. Entretanto, esquece-se que estes pequenos chegaram ao planeta recentemente e, que por isso, estão aprendendo todos os dias a compreender o mundo. Tudo é novo e inusitado! Cada criança que chega a este mundo tem por desafio aprender a conviver, a ser, a pertencer, a fazer, entre outras aprendizagens. Assim, situações simples aos olhos de um adulto, podem representar intensos conflitos que desestabilizam as emoções e merecem atenção. Ao entrar na escola todas as crianças enfrentam situações novas e provocadoras que começam na despedida no portão, passam pela busca de outro elo afetivo – aqui fica clara a relação que têm com as educadoras -, prosseguem nas tentativas de relacionar-se com os colegas, permanecem na procura pelo próprio interesse, vivenciam mudanças e frustrações, e, por fim, começam a perceber o outro à sua volta, o que para esta faixa etária, é bem desafiador, visto que vivem o egocentrismo a todo o tempo. Muitas vezes os conflitos são evidentes, principalmente quando há choro ou outra expressão como agressividade e apatia. No entanto, há momentos em que o silêncio, o olhar perdido ou mesmo o isolamento também podem ser meios de expressar uma vivência conflituosa. Daí a importância da proximidade e conhecimento do educador para ajudar cada criança em sua necessidade. Ouvir quem necessita falar e dar voz a quem não consegue dizer. Passar segurança aos que precisam de equilíbrio e transmitir serenidade aos mais exaltados. Acolher quem chora e abraçar quem não deixa sair a lágrima. Dar importância a todas as emoções, sem julgar ou rotular quem sente. Cada um precisa sentir-se à vontade para SE mostrar do jeito que é. Na Maré, os educadores são chamados pelos próprios nomes, como também, estes sabem o nome e conhecem todas as crianças. Não há modelos ideais, há crianças livres para sentir, ser e estar.
Cada um com seu desafio! Os maiores aos poucos aprendem a respeitar o tempo e características dos menores. Os bebês estão a todo o tempo se desenvolvendo na percepção do outro e do ambiente. As crianças assumem papéis dentro do grupo e as experiências individuais da vida são compartilhadas. O dente que ficou mole, o amigo que deixou a fralda e agora faz xixi na privada, o colega que bate, o bebê que morde, a criança que aprendeu a escrever o nome, o passeio de quem já tem cinco anos e que também pertence ao grupo de alfabetização, assuntos comuns e momentos reelaborados diariamente na prática da convivência. As crianças se admiram, convivem e aprendem a todo o tempo. Mediante esta prática a escola constrói três pilares que os pequenos levarão por toda a vida: RESPEITO, SOLIDARIEDADE E COOPERAÇÃO.
A contínua reflexão dos educadores da escola sobre sua prática aponta o quanto o trabalho estimula a autonomia, a cooperação e promove a aquisição de conhecimento significativo, ou seja, um conhecimento próximo da experiência, da realidade e do interesse da criança. Esse conhecimento se enraíza e acaba constituindo-se em uma base de sustentação segura, capaz de oferecer à criança olhares diferenciados para o mundo lá fora. ]
Acreditar na convivência ética como possível e necessária e na vida como arte do aperfeiçoamento do ser é a crença que move estes educadores para que trilhem este caminho que provoca também o seu próprio desenvolvimento. O grupo de educadores também vive seus conflitos e que se expressa e aprende com o outro. Este grupo sabe que quanto mais enxergar cada um no grupo e o grupo de cada um, mais está se desenvolvendo. Isto vale para todos os grupos e todas as pessoas, adultos e crianças.
Karina Pereira da Silva