É bem comum que, ao se despedirem no portão, os pais digam ao seu filho “tchau, brinca bastante, tá? ”. Mas será que sabem a profundidade dessa experiência no desenvolvimento da criança? O que é, de fato, o brincar?
Se observarmos a natureza, facilmente encontraremos filhotes de diversas espécies mamíferas brincando, como um filhote de cachorro ou gato. Ao brincar, eles estão desenvolvendo uma série de comportamentos que lhes serão fundamentais na vida adulta, como caçar, se preservar, lutar… Pela brincadeira, desenvolvem agilidade motora, força física e socializam com os outros da sua espécie. As crianças se divertem ao verem a Cabriola (nossa mini cabra) ensinar sua filha a dar cabeçadas para aprender a disputar seu espaço no rebanho. Bem… com os filhotes humanos não é diferente, embora tenha mais complexidade por termos funções psíquicas mais desenvolvidas.
A principal atividade da vida da criança é brincar e isto possibilita e impulsiona o seu desenvolvimento em várias áreas:
– FÍSICA: coordenação motora, força, agilidade, equilíbrio, conhecimento do corpo, limites físicos;
– SOCIAL: interação com crianças e adultos, comunicação e expressão;
– EMOCIONAL E PSICOLÓGICO: resolução de conflitos intra e interpessoais, aprendizagem de papéis sociais, autonomia, liderança, posicionamento social;
– COGNITIVA: desenvolvimento de pensamento, imaginação, planejamento, reflexão, raciocínio lógico.
Mas talvez seja mais fácil pensarmos numa situação prática. Imaginemos um grupo de crianças brincando de casinha e mamãe e filhinho, brincadeiras riquíssimas em detalhes. Para brincar, eles devem planejar e organizar. Quem vai ser o papai, a mamãe, o filho, o cachorro. Quem vai trabalhar fora, que trabalho é, quem vai trabalhar em casa, cozinhar, cuidar do filho. A próxima etapa é brincar, claro. Atuar o papel que escolheu. Ir para o escritório, médico, arrumar as panelas para fazer o almoço, lidar com o “filho” que está fazendo manha, etc. Ao vivenciarem tudo isso as crianças compreendem uma série de papeis sociais, ou seja, qual a função social da mãe, do médico, do pai. Nessas brincadeiras é comum que alguns queiram trocar de papel, quem é filho querer ser a mãe, por exemplo. Então, se o outro não aceita, eles têm um conflito a resolver para que a brincadeira continue. Precisam conversar, argumentar, e entrar em acordo. Há aqueles que aceitam tudo o que o amigo manda… e aqueles que mandam demais… Então precisamos fazer algumas intervenções para que eles, aos poucos, encontrem o equilíbrio. Aprendam a liderar e também a ceder e ouvir o outro. Aprendam a trabalhar em equipe. Para que a brincadeira seja legal, precisam ser criativos e, muitas vezes, relembrar situações vividas por eles. Ao levar o “filho” ao médico na brincadeira, algumas crianças podem reelaborar o sentimento de medo que têm ao ir ao médico de verdade, por exemplo. Puxa, quanta coisa, né?
Certa vez, observava uma menininha de uns 4 anos brincar com um telefone. Ela estava “falando” com seu pai, que já estava fora do Brasil há mais de dois meses. Então, ouvi a seguinte frase: “papai, você se lembra de mim ainda? ”. Aquela brincadeira possibilitou a ela uma elaboração de sentimentos. Da saudade do pai, do medo de ser esquecida, do desejo de falar com ele. Para ela, a brincadeira era de verdade, ela estava mesmo falando com ele e externando seu sentimento e isso deve ter ajudado, de alguma forma, a acalmar seu coração.
Esse semestre acompanhamos a gravidez da professora Ana Cleuma e nascimento do seu bebê. Todos os dias tínhamos inúmeras “grávidas e grávidos” pela escola, andando com bolas embaixo das camisetas. Agora, temos visto crianças amamentando seus “bebês”. Claramente uma tentativa de compreender toda a situação. Um bebê na barriga, o nascimento…
Outro tipo de brincadeira é o esconde-esconde. Para começar, eles devem decidir quem começará sendo o “pegador”, aquele que irá ficar de olhos fechados, contando até os outros se esconderem, onde eles deverão “bater” para se salvar. Para brincar eles devem aprender as regras do jogo e segui-las. Devem pensar para escolher um bom lugar para se esconder, correr, usar adequadamente a força física na hora de pegar o amigo para não machucá-lo e, principalmente, aprender a lidar com a frustração de ser pego! E essa parte é muito difícil para alguns. Não é nada fácil perder!
Poderia descrever longamente as observações que fazemos das brincadeiras e o que cada uma delas proporciona para as crianças. Há diversos tipos, inclusive. Os jogos, o faz de conta, a imitação. É um mundo delicioso, rico e fundamental para o desenvolvimento saudável desse pequeno ser humano. Brincar é a atividade mais importante para qualquer criança e elas precisam ter tempo livre para isso, algo inconcebível nos dias de hoje, não é? Como assim tempo livre? Infelizmente, na nossa sociedade, tempo livre é visto como tempo perdido. Mas somente para os adultos que não sabem o valor do brincar livre, sem tempo, sem pressa… Valorizem isso, proporcionem esses momentos. É fácil… é permitir que as crianças brinquem LIVRES!
Janyssa Szanto