Minha sensibilidade está aflorada, gosto disso, minha percepção se amplia e sinto enorme gratidão à vida, aos ancestrais, ao cosmo, à Deus. Se essa já sou eu em dias comuns, nesses de pandemia, perto do natal e no meu inferno astral… então, tudo se agiganta.
Hoje é sábado. Acordei e de pijama mesmo fiz uma prática de ioga. Mesmo com o dedão do pé ainda bem dolorido, fiz o que deu, sem dor. Exercitar a respiração consciente, suaves asanas e meditação matinal é um presente especial, que me dou tão pouco.
Quando desci para o café da manhã, ainda de pijama (gostosuras de sábados), o Paolo já estava por lá. A bancada estava posta pra mim, ele já havia comido porque tinha aula de piano às 9:00hs. Admiro sua persistência e dedicação ao instrumento. Ouço as aulas e me agrada todos os sons que vem de lá. A professora e ele conversam bastante, tanto sobre a vida, literatura, cinema e claro, música. Sinto uma pontadinha de ciúmes, mas adoro ouvir as gargalhadas do Paolo, tão raras!
Coloquei frutas e grãos nos comedouros para os passarinhos e, usufruí da presença deles enquanto comia minha tapioca com banana, mel e canela. Gosto tanto desse ritual, todos os dias realizo esse desjejum lento, com observação do lá fora.
Enquanto apreciava o esvoaçar dos passarinhos, a maioria rolinhas, alguns tico ticos, sanhaços, sabiás laranjeira e um ousado bem-te-vi, meu pensamento viajava na liberdade dos dois meninos de 11 anos, que ontem foram com o professor Rodrigo e comigo ao Parque Ibirapuera. Depois de meses de reclusão obrigatória, os meninos estavam soltos no parque, soltos e guiando seus professores. Mostrando para nós os caminhos que eles mesmos desconheciam. Engordaram de tanto ficar em casa, mas pedalavam as bicicletas com determinação e velocidade. Transitavam com domínio, ultrapassavam, evitavam com segurança às que vinham no sentido oposto, paravam e olhavam num mapa enquanto esperavam que o Rodrigo e eu os alcançássemos.
Eu estou numa fase em que meus pés tem doído muito, sofro de fascite plantar e estou com o dedão em recuperação de uma fratura exposta. Então, alugar bicicletas foi uma ideia minha para conseguir administrar minhas dores. Para o Rodrigo foi o oposto. A bicicleta chegou para ele como um desafio, anos depois de um acidente que o traumatizou. Foi bacana estar com ele nesse momento e ver esse homem que admiro na ação com as crianças, enfrentando por eles, por mim e por si tamanha peleja.
Mas voltemos à liberdade dos pássaros. Eles nem se sabem livres, já os meninos… ah, os meninos andam presos, entre paredes, medos, regras, leis, consumos, … Mas ontem, ontem os meninos estavam livres. Será que eles se sabem presos? Sim! Numa certa altura, ao nos avisarem que iam ao banheiro, já disseram: “já sabemos que temos que levar o álcool, não se preocupem, não precisam agir como mães neuróticas”. E, riram. E rimos todos. Afinal, eles já sabem mesmo como lidar com tanta coisa. Já estão se despedindo do Ensino Fundamental. Vão mudar de escola. Voar para mais longe.
Os passarinhos estavam ali, na minha frente esvoaçando e comendo. A minha memória me trazia esses dois meninos que amo tanto, que vi nascerem e crescer tão de pertinho. Ontem senti que estão prontos. O passeio foi um Ritual de Passagem! E, eu? Estou pronta para vê-los partir?
Meu coração ia lá fora com os passarinhos e voltava dentro de mim em confrontos emocionais. Eu me alimentava de tudo. Então, num raio de lucidez e presença, percebi que estava sendo embalada por Bach, em seu Minueto em Sol Menor, que era o que o Paolo tocava em sua aula lá do seu escritório. Nossa, que alinhamento! Que clarão! Preciso escrever, eternizar o momento, o sentimento, a emoção.
Ô vida essa de ser humano, cheia de sacolejos, meandros, distopias e utopias, maravilhamentos!
Regina Pundek