Durante as visitas dos pais para conhecerem a escola e decidirem se irão ou não matricular seu filho, uma das primeiras palavras que escutam sobre nossa metodologia é: multietária. Sim, multietária, crianças de diversas idades, JUNTAS, aprendendo a SER e a CONVIVER. Outra ideia que ouvem é: não temos salas de aula, nem apostila, e não oferecemos uma aprendizagem “estruturada” e sim significativa. Muitas perguntas vão surgindo, a curiosidade dos pais é grande, entretanto logo os medos vão surgindo e começam os questionamentos: mas como eles vão aprender? O que eles aprendem? Os maiores não batem nos menores?O que meu filho de 5 anos vai fazer numa mesma atividade com crianças de 1 ano? Como são essas atividades? Como são cuidados no quintal? E por aí vai… No entanto, quando começam a falar de seus filhos, a frase mais comum a todos é: meu filho é especial, ele é diferente das outras crianças.
Vivemos um eterno paradoxo onde queremos a todo custo nos diferenciar do outro, mas sem sair de dentro das caixinhas “inventadas” pela classe dominante e mídia para homogeneizar a todos. Seguimos padrões de beleza, de classe social, de formas de agir e SER… Queremos ser diferentes, mas lutamos para nos encaixar num modelo onde dizem que todos devem ser iguais?
Em que outro lugar, a não ser na escola, as pessoas são divididas por idade? Por que nossas crianças são segregadas, isoladas, divididas segundo sua evolução cronológica? Por que a sociedade ainda aceita um sistema educacional arcaico que, obviamente, não funciona e impõe que todas as crianças aprendam da mesma forma? Por que aceita escolas que arrancam de nossas crianças toda sua capacidade criativa e espontaneidade?
Não, nós não aceitamos. Vivemos mais do que nunca em uma sociedade que necessita pessoas que saibam trabalhar em equipe, sejam criativas, que consigam liderar e, ao mesmo tempo ouvir o que o outro tem a dizer, a respeitar os velhos, a ouvir as crianças. Em nossa escola respeitamos a CURIOSIDADE e a INDIVIDUALIDADE de cada um. Praticamos a ensinagem/aprendizagem significativa. A criança é curiosa, sedenta por aprender, então aproveitamos isso ao máximo. Por que ensinar sobre a metamorfose das borboletas usando ilustrações de um livro, em alguma série do Ensino Básico? Quer algo mais instigante para uma criança do que ver a lagarta comer, comer, comer, depois se transformar em uma crisálida, celebrar o nascimento da borboleta, observarem-na enquanto seca suas asas ao sol até, por fim, gritar de euforia ao vê-la voar para o céu azul? Pensem em tudo o que aprenderam as crianças com naturalidade! Além do ciclo da vida da borboleta, que nunca mais irão esquecer, aprenderam a respeitar aquela vida, a esperar (tudo isso leva em torno de 21 dias!), desenvolveram sua coordenação motora fina desenhando, pintando, esculpindo lagartas e borboletas, foram reais cientistas e levantaram hipóteses sobre que cores seriam suas asas, baseados na cor da crisálida, se seria uma borboleta ou uma mariposa, que tamanho teria, etc. Isso é aprendizagem com significado. Não há uma criança que acompanhou esse processo que não saiba contar, com alegria, toda a metamorfose da borboleta… e eles não precisaram de aulas cansativas e enfadonhas sobre isso. Colocamos a criança como ser ativo na construção de seu próprio conhecimento e o educador como facilitador desse processo.
Sim, nossa escola é multietária. Aqui as crianças vivem na prática como todas as pessoas do mundo, JUNTOS E MISTURADOS. Aqui as crianças são LIVRES para ser o que desejarem e, fundamentalmente, aprendem o RESPEITO pela DIVERSIDADE. Aprendem a respeitar a forma diferente de o outro pensar, vestir, agir, falar, andar, brincar… aprendem que sua liberdade vai até o limite da liberdade do outro. Como afirmou Prado (2006), buscamos “Uma pedagogia que leve em consideração a capacidade de as crianças menores e maiores, quando juntas, construírem uma relação de referência umas para as outras, no sentido de demonstrar, disputar, sugerir, negociar, convidar, trocar e compartilhar experiências e brincadeiras. Nestes momentos, menores e maiores estabelecem relações mais solidárias e cooperativas do que quando estão separadas (somente entre as crianças de sua turma e idade)”. (p.6).
Vygotsy, psicólogo Russo pioneiro da Psicologia do Desenvolvimento, propôs dois níveis de desenvolvimento infantil. O primeiro, chamado de Zona de Desenvolvimento Real, engloba todo desenvolvimento mental já desenvolvido e é observado nas atividades que a criança já consegue realizar sozinha. Já a Zona de Desenvolvimento Proximal leva em consideração o que a criança conseguiria realizar com ajuda de outra pessoa, seja ele professor ou um colega e que, mais adiante, conseguirá fazer sozinha. Ainda nas primeiras décadas do século XX, Vygotsky ressaltava a importância do convívio em uma mesma sala de crianças mais adiantadas com aquelas que ainda necessitavam de auxílio para dar seus primeiros passos. A Zona de Desenvolvimento Proximal de hoje é a Zona de Desenvolvimento Real de amanhã.
Cada criança aprende e se desenvolve em seu próprio ritmo, independente da idade. Recentemente observei algumas situações bastante ilustrativas disso. Pela manhã vi uma menininha de 6 anos ajudando sua querida amiga de 2 anos a colocar o sapato. Era uma cena linda, de cuidado e atenção. Mais tarde, vi essa mesma menininha sendo ajudada a amarrar o cadarço de seu tênis por um amigo também de 6 anos, que já sabia fazer isso. Ela passou a tarde toda treinando o que ele havia lhe ensinado. Alguns dias depois a vi, orgulhosa, ensinando outra menina, de 5 anos, a amarrar seus cadarços. Situações simples, da vida cotidiana das crianças, mas vividas com atenção e afetividade. Em nossa rotina é comum vermos os maiores auxiliando com carinho os menores, alcançando brinquedos, pegando água, tirando seus casacos, incorporando-os em suas brincadeiras de faz de conta, etc. E também vemos os pequenos buscando os maiores, como seus melhores amigos. Certo dia uma pequenina de menos de dois anos caiu em minha frente. Foi um tombão e ela levantou-se rapidamente, chorando. Meu ímpeto foi correr em sua direção para aconchegá-la. Entretanto, essa pequena passou por mim e foi, sem hesitar, em direção ao seu amigo “grande” que, com todo carinho, abraçou-a, limpou a terra de seu machucado e a levou para uma professora cuidar. No caminho ainda o ouvia dizer a ela: “calma, vai ficar tudo bem! Vai ter que lavar com água e sabonete e vai arder um pouquinho, mas precisa e passa rápido!”.
Estamos fazendo diferente. Saímos da caixinha estabelecida como “padrão” e isso não é nada fácil perante a sociedade, que ainda aceita o modelo arcaico como o único possível. O fato é que não somos e não seremos coniventes com esse modelo que desrespeita a vida, a criança e seu modo simples e lindo de pensar, viver e SER. Certamente contamos com a parceria de famílias que nos apoiam e buscam outra forma de educação, uma educação pelo RESPEITO e pela DIVERSIDADE.
Escrito pela Professora Janyssa Szanto