No dia 18/02/2022 os mestres João Pedro Magro, agrônomo, e Gabriel Pundek Scapinelli, permacultor e marceneiro, a convite das crianças, promoveram uma oficina sobre agroecologia na Maré. Nesta oficina foi debatido uma diversidade de conhecimentos fundantes desta disciplina e através de prosa em roda, foram trocados saberes e experiências entre os participantes.
Dentre os temas debatidos na sessão se faz necessário salientar três, o primeiro é o anseio das crianças reconhecerem o quintal em sua dimensão alimentar. Durante a conversa, mais de quatro participantes fizeram perguntas relacionadas à identificação de espécies alimentícias – ou venenosas – presentes no espaço. Isso mostra em primeiro plano o debate acerca da pergunta “da onde vem a nossa comida?” Que acaba se desdobrando em “do que eu posso me alimentar?”. Em um segundo plano o aspecto da compreensão da necessidade de um “planejamento” para se produzir – isso será debatido mais à frente.
O segundo tema muito elaborado pelos participantes foi a dimensão dos termos adotados para se pensar o meio agrícola. Um deles foi o termo “planta daninha”, que dois participantes trouxeram para a roda. Esse termo é muito interessante pois através dele foi possível iniciar um debate sobre como se dá o atual paradigma agrícola produtivo monocultural e como isso tem um desdobramento na nossa própria cultura e forma de se relacionar com a natureza e alimentação. Através desse tema conseguimos debater também o desenvolvimento da vegetação do quintal e suas interações. Um resultado bastante expressivo pode ser sintetizado em duas perguntas geradoras, a primeira é “qual a diferença entre uma agrofloresta e uma floresta?” E a segunda é “se para plantarmos mais precisamos de mais sol, quais plantas vamos ter que tirar do quintal?”. Essas duas perguntas norteadoras são muito importantes pois criam dimensões do entendimento das crianças acerca da interação entre o espaço agrícola e de preservação e ampliam o debate para a compreensão do que é – ou não – degradar o meio-ambiente.
O terceiro e último ponto debatido foi a capacidade da produção de alimentos no quintal. Apesar deste ponto permear a conversa como um todo ele foi deliberado como muito importante uma vez que diversas crianças trouxeram o anseio descrevendo “aquilo que queremos comer” e por desdobramento, “o que devemos plantar”. Esse tema teve como áreas para serem discutidas e entendidas o tempo e o espaço, o exemplo adotado foi o cultivo de abacate e quanto tempo demora para ser colhido, após a germinação da semente bem como o espaço que esse abacate ocupa – e por subsequência a sombra que ele projeta. Outro espraiamento dessa conversa foi a capacidade de observar e identificar das crianças a cultura alimentar e como isso se desdobra na paisagem. Dentro desse anseio produtivo uma das espécies levantadas pelos participantes foi a Pêra (Pyrus L. ssp.), entretanto ela é pouco adaptada ao clima da região, o que não necessariamente inviabilizaria seu cultivo, entretanto, “deseducaria” as crianças quanto a capacidade de entender as plantas mais adaptadas ao ambiente, sua sazonalidade bem como essas características influenciam diretamente nossa cultura alimentar.
Para encaminhamento de ideias propositivas os professores pensaram em temas gerais que possam ser desdobrados e intercruzados, seriam esses temas fundantes de quais queres jardins agroecológicos: a terra, a água, as plantas, os animais
Colocando em debate cada um dos temas poderíamos buscar maiores potenciais biológicos em cada um deles. Aqui damos como ponto de partida alguns exemplos que poderiam ser trabalhados.
Na terra poderíamos discutir os ciclos e nutrientes, e por fim trabalhar uma composteira ou mais de uma de forma realmente potente, usando-se de conhecimentos técnicos adequados e dos resíduos orgânicos gerados pela própria cozinha da escola, a composteira poderia ganhar uma evidência como ponto chave da transformação do ‘lixo’ em terra, amarrando as pontas do ciclo tão apartadas em nossa sociedade de consumo.
Também poderiam ser trabalhados os canteiros de maneira geral, conformação de contornos, conformação de leiras, revolver a terra e misturá-la a elementos que a fortifiquem a médio e longo prazo. Análises da terra da escola poderiam ser feitas, verificando a quantidade de argila, areia, o ph, e assim sabendo-se melhor quais as necessidades do manejo com esta.
Quanto à água podemos imaginar um cuidado com o laguinho, para esse ganhar mais luz e evidência visual, talvez o alargamento das bordas úmidas, as quais estão desenvolvendo ótimas plantações de taioba. Também podemos rever os sistemas de coleta de águas das chuvas, o uso dessas para irrigação das hortas e pomares, ou pensarmos o tratamento de águas cinzas e negras por sistemas de zonas de raízes. Por fim o próprio deslocamento das águas no declive do terreno poderia ser pensado em forma de caminhos, com canteiros mais aprofundados que sirvam de freio a velocidade da enxurrada.
Já o manejo das plantas pode reativar novos ciclos de espécies a partir de podas… a floresta da escola já atingiu um bom patamar de mata primária, e poderia ganhar espécies mais robustas de frutíferas, ou ganhar novas clareiras para melhor insolação em áreas de hortas, visto serem as mesmas geralmente espécies primárias, sobretudo asteráceas, ou mesmo um manejo de espécies mais adequadas e comestíveis de acordo com as percepções já adquiridas, poderíamos fortalecer as espécies adaptadas ao terreno, multiplicando-as, e no caso de busca por novas espécies deveríamos pensar na construção de canteiros experimentais para o teste de adaptabilidade de cada uma delas.
João Pedro Magro e Gabriel Pundek Scapinelli