Pode até parecer estranha a afirmação, mas Manuelita era uma tartaruga tímida. Sua companheira, Josefina, com metade de seu tamanho, superava-a em ousadia, aproximando-se de qualquer ser humano para abocanhar sua porção de ração e até exibindo-se sobre as pedras para tomar sol. Manuelita, entretanto, ao perceber qualquer movimento se escondia sob as rochas e só saia de seu refúgio para comer ou tomar sol quando não havia ninguém ao redor do lago. Coisas de personalidade animal… interessante! Há que se relatar também o fato de Luiza, de três anos, conseguir atraí-la chamando-a suavemente: “Tataluuuga! Tataluuga…vem comê tataluga!” E o bichinho aparecia, mas somente para Luiza.
Um dia Manuelita desapareceu. Foi frustrante! A chuva abundante fez o lago transbordar e provavelmente, sem perceber em que enrascada se metia, Manuelita saiu do lago para um passeio. Cada criança que se aproximava do lago cobrava sua presença. Foram dias de busca e conversas sobre perdas. Oportunidade ímpar para educadoras trabalharem este tipo de sentimentos era o que nós mesmas pensávamos, como tentativa de consolo.
Depois de onze dias ausente, numa bela manhã de sol, Manuelita foi encontrada entre arbustos no quintal, fora do lago. Viva, ela estava viva! Que alegria para todos nós e certamente para ela também. Recolocamos Manuelita no lago e qual não foi nossa surpresa com sua manifestação de apreço, descaradamente aproximando-se de quem viesse alimentá-la. Manuelita mudou de comportamento. Daquele dia em diante ela enfrenta a vida no lago de outra forma. Já não é mais uma tartaruga tão tímida, nem tem a expansividade do dia do retorno. Embora não seja ousada como sua companheira, agora enfrenta os desafios de sua vida animal sem esconder-se a cada movimento.
Fiquei a refletir esta história muitos dias, primeiramente colocando-me no lugar de Manuelita, tentando descobrir o que eu viveria em seu lugar, e posteriormente associando a história ao comportamento humano, às nossas infinitas competências e oportunidades, ao nosso cérebro dito desenvolvido, às culpas que abraçamos e nos fazem privar nossas crias de maiores desafios, … aos diversos acontecimentos sociais, ambientais e até políticos. Tanta coisa me passou pela cabeça… crise ambiental… guerras… fome… miséria… tantas crianças chegando ao planeta…
Decidi escrever. Então, deixo no ar algumas perguntas:
Como enfrentamos os nossos desafios de cada dia?
Que competência atribuímos aos nossos filhos?
Quais frustrações compreendemos que lhes são saudáveis viver?
Que valores damos aos nossos relacionamentos?
Que valor damos à VIDA?
Regina Pundek