Durante a visita de famílias para conhecer a escola, costumo explicar como funciona a fase de adaptação aqui na Maré. ADAPTAÇÃO, parece um “palavrão cabeludo”, pois assusta grande parte dos pais de crianças pequenas. Palavra que vem acompanhada de receios, expectativas, medos, suposições, emoções.
Quantas vezes na vida precisamos nos acostumar e nos adequar ao novo, não é mesmo? Como costumamos lidar com os sentimentos que vêm à tona nessas fases? Conseguimos nos compreender? Conseguimos perceber nossas necessidades? Quantas e quantas vezes sentimos um misto de sensações, que vão da euforia à melancolia.
Agora imagina uma criança, pequena, chegando pela primeira vez à escola. Como será que ela se sente ao encontrar tantas “coisas” novas?
Amigos! Significam alegria e perda da exclusividade. Como fazer parte de um todo, ser indivíduo dentro de um grupo diferente do familiar?
Professora! Novo adulto de referência, que lhe trará suporte emocional e acolhimento sempre que necessário, mas alguém em quem a criança ainda não confia.
Novo espaço físico e rotina! Proporcionarão segurança, desenvolvimento, autonomia e novos desafios, mas ainda são tão desconhecidos.
O que a criança precisa para enfrentar tudo isso? Tempo, respeito, acolhimento, escuta, segurança.
Aqui, costumamos fazer 40 minutos diários de adaptação, com a presença de um dos pais, até que a criança já se solte com facilidade. Ou seja, não tem uma quantidade pré-estabelecida de dias. O que dita o ritmo é o bem-estar da criança e de seus pais. Sim, seus pais. Esses precisam estar seguros para que consigam transmitir aos seus filhos que confiam na escola e na competência da criança. Se a criança percebe que seu porto-seguro está desestabilizado, automaticamente ela demonstrará insegurança. Nesses primeiros dias a professora vai formando vínculo com a criança para que no futuro, na ausência dos pais, ela seja a pessoa que a acolherá em suas necessidades.
É chegado o momento de despedir-se no portão da escola! Ou seja, a criança viverá a escola, pela primeira vez, sem os pais. São novamente 40 minutinhos, pois tiramos seu porto-seguro do contexto. Os pais podem observar à distância, mas sem que sejam percebidos pelo filho, pois esse precisa compreender que seus pais foram embora e voltarão na sequência para buscá-lo.
E porque 40 minutinhos apenas? Para que a criança esteja feliz e entretida na hora da saída, para que ela não queira ir embora quando anunciarem sua saída para, assim, ter o desejo de retornar no dia seguinte. Para que não aconteça de seus interesses terminarem e ela sinta falta dos pais, pedindo para ir embora. Queremos que ela vá embora querendo ficar!
A partir desse momento, vamos paulatinamente aumentando sua permanência na escola até que ela complete seu horário. Nem sempre esse processo é linear. Muitas vezes precisamos dar um passinho atrás para depois darmos dois adiante. O que isso significa na prática? Respeito! Se um dia é mais difícil, no outro reduzimos um pouco o tempo de permanência da criança. E assim vamos dançando pra lá e pra cá, acompanhando o pêndulo das emoções das crianças e de suas famílias.
E esse pêndulo é danado, oscila pelos menores e, às vezes, imperceptíveis motivos. Sugiro-lhe que pegue um colar e segure-o no ar. Agora puxe-o para um dos lados e o solte. O que acontece?
Sim, ele vai de um lado a outro, algumas vezes, até que vai perdendo a força e alcança o centro, o equilíbrio. Nosso emocional é assim! Move-se da mesma forma, da euforia à tristeza. Muitas vezes esse processo de equilibração assusta os pais, que logo buscam razões externas na tentativa de encontrar uma resposta para a mudança de comportamento de seu filho. É compreensível, a intenção é de compreender e acolher a necessidade da criança, claro. Mas nem sempre essa necessidade é tão clara.
Por exemplo, nos primeiros dias tudo é novidade para a criança em adaptação. Os animais, a bolha de sabão, a correria pelo jardim. Mas, depois de alguns dias a criança começa a perceber o que “perdeu” de sua rotina anterior, como o tempinho de preguiça na cama com a mamãe, a exclusividade que tinha em casa, suas vontades que eram mais rapidamente atendidas, o ritmo próprio ao qual já estava acostumado. Começa a dizer que não quer ir pra escola, às vezes chora no portão. Depois que entra, é acolhida e volta a ficar bem, pois encontra novamente o que “ganhou”. E assim vai, até que encontra o equilíbrio interno que lhe era necessário.
E o que acontece se acelerarmos todo esse processo priorizando as necessidades profissionais dos pais? O processo se alonga muuuuiiiitttooooo mais. A criança permanecerá na escola, mas com qual qualidade? O tempo que essa criança levará para encontrar seu ponto de equilíbrio será bem maior do que se respeitarmos suas necessidades e dermos os passos no seu ritmo. Sabe quando aceleramos muito um carro e perdemos a direção? É mais ou menos isso… Difícil conseguir controlar esse volante.
E você? O que vem enfrentando ultimamente? O que tem te tirado do prumo? A que está precisando se adaptar? Será que você está conseguindo se respeitar em seus próprios tempos e necessidades?
Cátia Pacicco