Junho, 2022.
Em minha trajetória como educadora, me encanta ouvir as vozes das crianças. Saber como enxergam o mundo, o entorno, o que pensam e quais são os seus desejos. 2022 tem sido um ano em que as crianças estão com uma necessidade maior de falar e de ser escutadas. Estas “falas” têm saído não só por meio da comunicação verbal, mas também no jeito de estar na escola, em casa, nos espaços de convivência. Fato é, que após quase dois anos de um período de incertezas, isolamento, medo, euforia e transformação, muitas vivências têm sido elaboradas na percepção das crianças. Algumas passaram por mudanças na estrutura familiar, na rotina com a família e na ida aos locais que costumavam frequentar. Como consequência, no início do semestre, percebemos comportamentos egocêntricos, alternância entre melancolia e extrema euforia, dificuldade em ser grupo, isolamento, agressividade entre outros.
Diante destas necessidades, nossos objetivos no início do semestre passavam pelas ações de escutar as vozes das crianças, assim como criar unidade no grupo. Também foi necessário acolher os recém-chegados ao Fundamental, possibilitar maior autonomia para quem já fazia parte deste agrupamento, pensar e agir diante dos problemas planetários. Além disso, ampliar o olhar para as diversidades existentes no mundo. Todos estes objetivos convergem para os pilares de trabalho existentes em nossa escola: SER, VIVER, CONHECER, FAZER.
O grupo passou por alguns impasses neste semestre. No início, as crianças começaram a agrupar-se entre grandes e pequenos. Não estava bom. A Adriana e eu conversamos e combinamos jeitos de integrar e acolher este agrupamento tão diverso. Como acolher e desafiar todas as crianças em suas necessidades? Como validar um recém-chegado como um Fundamental e afirmar que sim, ele pode ser um menino grande? Como trazer senso de coletividade e desafiar a todos para o pertencimento e para a coletividade? Como trazer a consciência para as crianças maiores de que podem acolher, influenciar e demonstrar abertura para quem está chegando? Como acolher estes desafios?
Percebemos a necessidade de dar voz às crianças para que elas expressassem as próprias percepções. Entendemos o quão urgente era identificar as emoções e os sentimentos manifestados nas ações e interações, tanto em casa, quanto na escola. A professora Adriana passou a mediar momentos de roda de conversa e escuta coletiva, cujo objetivo era falar dos sentimentos e emoções. As crianças identificavam-se mutuamente umas com as outras, o que consequentemente, as aproximou e as fortaleceu como um coletivo. Com isso, passamos a notar mais gentileza e compreensão nas interações. Conquistamos a unidade do grupo.
As comemorações dos aniversários também promoveram ótimas oportunidades de levar as crianças a reconhecerem as características de cada colega. Os presentes e brincadeiras especiais foram decididos em roda de conversa, num consenso, considerando o que seria de fato especial para o aniversariante.
Nossos caminhos também transitaram pelo campo das artes e da importância de vozes que foram influentes em nossa sociedade. Na Semana da Arte Moderna, levantamos a reflexão sobre a definição de Arte. Existe só um jeito de expressar Arte? Olhamos para as influências do nosso país, o quanto há expressão ao olharmos para os diferentes povos e culturas. O Gentileza foi trazido representando o artista de rua, a mensagem que se deseja expressar, a loucura, a lucidez. As crianças ficaram impactadas com a história deste homem.
Seguimos trazendo o significado das lutas sociais e do Dia Internacional da Mulher. Falamos sobre a importância do coletivo pela luta por direitos iguais e justos para todas as pessoas. Olhamos para as conquistas das mulheres na legislação e na sociedade. Somos seres sociais!
Na Literarte, a Regina trouxe para as crianças mitos indígenas que retratam o olhar dos povos da Floresta em relação ao planeta. Semanalmente, as crianças expressam suas percepções por meio dos registros ou mesmo falas entre uma história e outra. Temos percebido o quanto temos muito a aprender com os valores, princípios, conhecimento e pertencimento dos povos originários. Somos seres planetários!
As crianças têm descoberto nas Assembleias Coletivas, a chave para a resolução dos problemas de convivência. Neste ano, percebemos uma clareza na compreensão de todo o grupo, do quanto este momento é um dispositivo que atua com força e união. Boa parte dos assuntos discutidos, foi levantada pelas crianças. Como resoluções coletivas, tivemos o Dia do Veículo e Carnaval no Parque Teresa Maia, localização de objetos pessoais que estavam perdidos na escola, discussão do que as crianças tinham por expectativas na Páscoa e até conversa com a Nutricionista da escola sobre a possibilidade de inserir no cardápio alimentos desejados pela maioria. É especial constatar o quanto as crianças têm se fortalecido coletivamente. Numa assembleia todos têm função: organizar as falas, anotar as decisões, mediar as conversas, ouvir, falar e, em consenso, assumir a responsabilidade da decisão. Somos seres cidadãos!
Após um final de semana chuvoso, ao chegarmos na escola, percebemos que uma grande quantidade da terra do quintal havia escorrido para o ralo e para o platô ao lado da quadra. Formou-se uma camada de lama no novo espaço. As crianças ficaram indignadas com aquela situação. As raízes de algumas árvores estavam sem cobertura, assim como alguns canteiros também ficaram cheios de lama. Ao ouvir as vozes das crianças percebemos que poderíamos estudar sobre esta situação para entender o que houve com o nosso terreno. No CONHECER, as crianças estudaram sobre os efeitos do assoreamento e que ações poderiam ter para lidar com aquela situação.
Após muita discussão, decidimos chamar o Mestre Gabriel para nos ajudar. Em conversa com as crianças, ele orientou alguns caminhos de resolução. Um dos mais acessíveis para trabalhar em grupo seria mapear o trajeto que a água da chuva faz no quintal e então cavar canteiros estratégicos, assim, como distribuir a correnteza por todo o quintal com a ajuda dos canteiros que já temos. Estamos neste processo! Em nosso FAZER, as crianças têm testado as possibilidades. Mapeia um caminho para a água, espera a chuva e percebe se foi eficaz naquele lugar. Também tem cuidado das canaletas das árvores e arbustos que já temos para que se capte mais água para o quintal. Ganhamos de uma das famílias um ateliê de suculentas para enfeitarmos os muros da escola. Outra família nos doou lavandas, que já foram plantadas em nossos jardins de chuva. Somos seres atuantes!
É chegado o momento das férias! Potentes foram as vozes acolhidas por aqui. Nosso desejo é que estas expressões reverberem por todos os espaços, por onde estes pequenos circularem. Nossas crianças são atuantes e fortes! Que a temporada seja divertida com bons espaços para SER, VIVER, FAZER e CONHECER. Até Agosto!
Abraços,
Karina Silva