Prezados pais,
Começarei este relatório com uma breve reflexão sobre as minhas percepções a respeito da pandemia, e de como ela afeta os processos educacionais. Essa reflexão resgata o que vivenciamos no ano passado, e como atualmente estamos lidando com o estado de pandemia.
Após o choque que todos vivenciamos em 2020, entendo que amadurecemos. Novas configurações de trabalho foram estabelecidas, novas rotinas da casa foram tomando forma. Iniciamos este ano esperançosos sobre o “retorno ao normal”, mas logo tivemos que puxar o freio e estabelecer o que muita gente chama de “novo normal”.
Como tudo na vida, acabamos nos adaptando. Há quem diga que estamos na fase de encontrar novas formas de fazer as coisas. Prefiro entender esse momento como a fase em que nos dedicamos a fazer novas coisas. É o tal “copo meio cheio”, não?
Avalio, portanto, que houve uma qualificação significativa do nosso olhar pedagógico para este momento. Neste relatório, quero contar um pouco sobre como esse olhar se ampliou.
Enquanto o foco do trabalho do ano passado foi lidar com as emoções das crianças, visto que estavam em uma situação de fragilidade socioemocional por conta da quarentena, este ano tivemos que lidar com as consequências que a quarentena trouxe à aprendizagem das crianças. Percebam que o termo usado foi “consequências”, sem qualquer conotação valorativa.
O aprender a aprender autonomamente foi, portanto, a força motriz do trabalho deste semestre. Entendam que as questões socioemocionais nunca estiveram fora do nosso radar, uma vez que a aprendizagem SEMPRE PASSA PELOS AFETOS. Entretanto, este semestre trouxe a necessidade de olhar para cada indivíduo, e integrá-lo a um grupo. Aliás, vale ressaltar que os grupos se configuraram de maneiras diferentes ao longo do período letivo: Híbrido, presencial, 100% online. Uma loucura!
Por essa razão, eu optei por não iniciar nenhum projeto grande, receando que um possível lockdown frustrasse as crianças, como aconteceu em março do ano passado. Segui o caminho dos projetos possíveis de serem encaminhados na modalidade presencial e na virtual.
O Blog das Crianças, portanto, me pareceu uma ferramenta muito adequada para o momento. Trazer as crianças para o papel de criadoras de conteúdo (e não apenas usuárias de tecnologia) ampliou a meu olhar sobre nossos pequenos nativos digitais. Portanto, nesse semestre estimulei o uso das TICs (tecnologias de informação e comunicação). Blog, pesquisas em sites, pesquisas em tempo real, compartilhamento de tela, maquetes no Minecraft, criação de imagens no Power Point, apresentação virtual de pesquisa, infográficos, mapas mentais, fotos digitais, edição de vídeo, uso do Jamboard para construções coletivas… As possibilidades são inúmeras!
Abusando desses recursos, as crianças foram estimuladas a fazer gravações de vídeos para a campanha #eunaomedistanciodanatureza. Deu-se, então, o casamento inusitado da natureza com as TICs, para a criação de conteúdo. Usando diversos recursos, estudamos a Carta da Terra e os seus desdobramentos possíveis, no sentido de gerarmos menos impacto na natureza (lixo, esgoto, consumo, gestão de recursos). Não se distanciar da natureza tomou contornos mais complexos do que brincar ou plantar. Entendo que houve um despertar da consciência das crianças para uma condição de cidadania planetária. Recomendo que leiam Edgar Morín e Fritjof Capra, se desejarem aprofundamento no tema.
Este trabalho foi realizado através de rotinas de pensamento, que são ferramentas e estruturas que apoiam a construção do pensamento das crianças, e possibilitam bastante troca. Desta forma, escritas coletivas foram muito comuns neste semestre, o que garantiu que as crianças se sentissem pertencentes ao grupo. Aprender a aprender significa também aprender a conviver.
Além deste trabalho coletivo, foi de suma importância olhar para as especificidades de cada indivíduo. O grupo neste ano apresentou uma variação de extremos em termos de instrumentalização dos indivíduos. Utilizei, portanto, duas metodologias que facilitaram o desenvolvimento de cada criança: O trabalho por estações e as atividades extras.
O trabalho por estações funciona bem nas atividades presenciais, quando há um mesmo trabalho sendo feito para o grupo todo. As crianças são divididas de acordo com as necessidades de aprendizagem, e os grupos de aprendizagem são formados. Assim é possível acompanhar cada processo, e desenvolver a autonomia das crianças.
Na modalidade online, entretanto, ainda é difícil trabalhar a divisão de grupos. Por isso criamos as atividades extras. São encontros nos quais trabalhamos especificidades de leitura, escrita ou raciocínio lógico-matemático. Além desses encontros, são enviadas atividades assíncronas para que as crianças desenvolvam suas habilidades.
Desta forma, conseguimos contemplar a todos para que desenvolvam suas competências. Vejamos como é complexo o trabalho multietário, no que tange à instrumentalização:
Nas questões da Língua Portuguesa, trabalhei basicamente três níveis. A alfabetização, a pesquisa e localização de informações em textos, e a interpretação de texto. Todos os níveis foram trabalhados com o aporte principal de textos jornalísticos e da literatura, uma vez que neste ano estabelecemos a hora da leitura (tanto na escola quanto em casa). As pesquisas individuais colaboraram também na qualificação da leitura e escrita das crianças.
Trabalhamos a leitura de imagens e infográficos, como suporte de inferências, hipóteses e deduções. A oralidade foi trabalhada nas escritas coletivas, que contribuíram também para a formulação de sínteses dos assuntos estudados. Ampliamos as possibilidades de sistematização, incluindo frases, textos jornalísticos, redações ou infográficos.
Na Matemática e raciocínio-lógico, também trabalhei níveis diferentes: a escrita numérica e compreensão do sistema decimal, a ampliação de estratégias de cálculo mental e registro de cálculos, a compreensão de números decimais e fracionários, e a multiplicação de dezenas por dezenas. Todos os níveis foram trabalhados através de problemas, situações do cotidiano (como leitura de recita e de tabelas), e em jogos. Estes últimos, além de estimular novas construções de raciocínio, são muito divertidos!
Um outro fator contribuiu para o desenvolvimento de competências: os projetos de vida e os projetos de pesquisa. Um projeto que a criança decide desenvolver sempre é uma grande potência epistemológica! O fundo do mar, o karatê, o Oriente Médio, a bússola, o fogo, os cogumelos, os desenhos japoneses… os interesses foram variados neste semestre. Enxergo neles grandes possibilidades de desenvolver habilidades de leitura, escrita e cálculo, além das competências de saber relacionar assuntos e desenvolver um projeto por etapas.
Da mesma forma são os projetos de vida que acompanhei: Uma criança está desenvolvendo uma enciclopédia das personagens que cria; outra criança está escrevendo um livro; outra está aprendendo a desenhar Mangás.
Nas tutorias dos projetos de vida também são propostas atividades que auxiliam no desenvolvimento de habilidades de cada criança.
Neste semestre também foram trabalhados os momentos de especialistas em consonância com as atividades do grupo. Na Literarte tivemos um caminho que enveredou pelas histórias que trabalham emoções e nos trazem a natureza como foco, e serviam como disparadoras para estudos. Na Cultura Brasileira trabalhamos o Cavalo Marinho, um dos folguedos mais complexos do Brasil, que nos abriu possibilidades de atividades físicas através da dança. A Yoga nos trouxe a conexão com a natureza dentro de nós, através de práticas de autoconhecimento, possibilitando também a ampliação das atividades corporais e artísticas. A Educação Física trouxe a prática de esportes como possibilidade de movimento mesmo na quarentena – no presencial, aprendemos como se estuda um esporte (pesquisa e prática). O Workshop integrou o estudo do Inglês com o movimento, através da prática de gameficação (trazer a linguagem dos jogos para a atividade).
É importante ressaltar que nem tudo o que foi relatado aqui aconteceu da forma lírica como parece. Um imprescindível trabalho emocional foi feito nesse semestre, para lidar com a resiliência das crianças, tais como impaciência para ouvir o outro, resistência às correções de texto ou de cálculos, desleixo nas atividades, pouca concentração, choros e até manhas.
Essas foram grandes dificuldades pelas quais as crianças passaram neste semestre. Penso que ainda levaremos um tempo para acomodar algumas emoções.
No fim das contas, entretanto, avalio o saldo como positivo. Penso que o trabalho mais importante deste semestre foi despertar nas crianças a consciência de que precisamos fazer coisas novas. O “velho normal” não tem mais lugar.
Equilibrar essas emoções, e trabalhar as questões cognitivas, sociais, físicas e anímicas de cada indivíduo, fortalecendo-o em um grupo, é o que fez com que o trabalho de desenvolvimento integral deste semestre tenha tido êxito.
Desejo profundamente que voltemos logo todos ao presencial. Mas não penso que isso fará com que retornemos a fazer o que fazíamos, da forma como fazíamos. Entendo que todos (educadores, educandos e famílias) teremos um novo olhar para tudo. Portanto, registro aqui o meu convite: Construiremos juntos?
Abraços esperançosos,
Professor ROdrigo Toyama