Hoje cedo eu reuni o grupo que está estudando a ORGANIZAÇÃO POLÍTICA DOS INDÍGENAS DA ALDEIA GUARANI.
Sentamo-nos em roda, com uma fogueira de papel ao centro. Convidei uma menina para fazer uma pintura no meu rosto, e assim me tornei cacique.
Eu fiz a pintura nessa menina, que se tornou pajeia. Convidei outro menino e fiz uma pintura em seu rosto. Ele se tornou pajé.
Eles dois tinham a missão de dividir as outras crianças em dois grupos guerreiros, e liderá-los em uma busca pela floresta.
O desafio? Encontrar o alfabeto que traduziria duas misteriosas mensagens que o cacique havia recebido dos antepassados (eram, na verdade, duas mensagens codificadas).
As crianças se puseram a correr pela floresta, e encontraram o alfabeto. Traduziram as mensagens, que diziam:
“CUIDEM DA FLORESTA COMO ELA MERECE. BRINQUEM PLANTANDO E REGANDO”
“DEIXO A FLORESTA NA MÃO DE VOCÊS. VOCÊS SÃO A FLORESTA!”
Nesse momento da atividade eu revelei que os “ancestrais” que escreveram essas mensagens foram os dois primeiros meninos que saíram da escola para o Fundamental 2: João Pundek e Luis Felipe Abreu.
As tais mensagens foram escritas em 2020, à época da despedida deles da Maré. Era uma espécie de testamento.
As crianças ficaram muito emocionadas (e eu também).
Falei para que elas tomassem posse da herança – a nossa agrofloresta.
Convidei a todos que participassem do manejo florestal que faremos até o fim do ano. Imediatamente toparam.
Após o lanche, os dois pajés dividiram novamente as crianças em 03 grupos. Os critérios variavam: “Esse menino não se dá bem com essa menina, mas eles devem ficar no mesmo grupo pra aprenderem a trabalhar juntos” / “Essa menina seria uma boa líder” / “Vamos separar as crianças que se atrapalham”.
Sob a batuta da jardineira agroflorestal Andrea Pesek, fomos todos para a floresta. Lá, ela nos ensinou a manejar os canteiros.
Cada grupo assumiu uma estação de trabalho, e os dois pajés ajudavam levando ferramentas, recolhendo terra, orientando algumas crianças.
Tudo aconteceu do jeito mais harmônico possível.
Finda a atividade, nos reunimos para a autoavaliação coletiva e oral.
Os guerreiros avaliaram que os pajés ajudaram e não foram mandões. Disseram que eles não ficaram sem fazer nada só porque eram os líderes.
Os pajés, por sua vez, avaliaram que os grupos trabalharam bem, e até citaram rubricas bem objetivas: “Os canteiros estão com terra boa, cobertos com serrapilheira e contidos por caule de bananeira. Todo mundo se respeitou”.
Os pajés avaliaram, sobre si mesmos, que o mais difícil foi dividir os amigos em grupos. Falaram que supervisionar e ajudar ao mesmo tempo não era tão difícil assim.
Dessa forma sensível, as crianças aprenderam um bocado sobre corresponsabilização, o papel de um líder, participação, micropolítica.
No fim da tarde, em conversa com as crianças do quinto ano, uma delas me disse:
– Sabia que na escola onde eu vou estudar no ano que vem tem que fazer uma prova?
– E pra que serve essa prova? – perguntei.
– Pra eles saberem o que eu aprendi na antiga escola.
– E como eles vão saber o que você aprendeu hoje de manhã, por exemplo? – provoquei.
Silêncio.
– Numa prova não tem como, Rô!
Que dia!!!
Professor Rodrigo Toyama