Ser criança é estar em constante aprendizado e desenvolvimento. É ter o olhar apurado e conectado para a beleza deste planeta rico e diverso. É ser unidade com a natureza.
O avanço da tecnologia, o consumo desenfreado, a exploração indevida dos recursos naturais são ameaças reais à infância deste século. A informação ao toque do dedo, a interação na esfera virtual, a memorização e acesso a determinados conteúdos de maneira precoce, são alguns dos impeditivos para que as crianças usufruam o direito de SER.
É na conexão com a Natureza que estão os maiores aprendizados que as crianças podem ter. Movimentos pró-natureza e pesquisadores são unânimes em afirmar que o contato constante com a Natureza traz melhorias para saúde física e mental, como também promove bem-estar e contribui para o desenvolvimento integral das crianças.
Como educadores na Escola Maré, nosso compromisso é garantir direitos. Acreditamos na liberdade de movimentos, no verdejar crescente do nosso quintal e no aprendizado que ultrapassa paredes e muros. Para nós o aprendizado se dá na resolução de problemas, na conexão consigo, com o outro e com o entorno. Assim, cada interação é embasada por práticas de mediação de conflitos, percepção, cuidado e atuação coletiva.
Este grupo tem vivenciado, desde o início do semestre, processos investigativos ricos em aprendizado e resolução de problemas. Iniciamos com a proposta de entender como cuidar de uma composteira. Aprendemos sobre fungos, bactérias, microorganismo, processo de decomposição e de compostagem. Para que tudo isso fosse possível, contamos com a ajuda das crianças e professores do Ensino Fundamental. Ao mesmo tempo em que buscamos este aprendizado, também vivenciamos o processo que a Natureza trouxe: a metamorfose das borboletas. Quanta riqueza! Compreender que na Natureza pode-se buscar respostas, como também pode-se acompanhar processos, encantar-se por eles e compreender o funcionamento deste grande ciclo. Assim as crianças compreendem a tecnologia orgânica deste sistema único e repleto de conexões. Uau!
O segundo objetivo do semestre foi ter uma horta construída pelas crianças. Contamos com a ajuda profissional da Cris e do Guilherme, mestres que nos ensinaram sobre clareira, plantas comestíveis, poda sustentável e manejo do quintal. Na natureza tudo é aproveitado. “É um grande círculo, né?”, concluiu a garotinha de 5 anos ao perceber que tudo volta para a terra e dá origem a novas vidas.
Caminhada até a loja de plantas, mudas adquiridas, horta planejada, plantada e cuidada. Nossa meta era obter uma colheita antes das férias. Mas… a vida subitamente nos trouxe coelhinhos bebês. Que maravilha! Apreciamos, cuidamos, aprendemos um pouco mais. Até que numa manhã, ao chegarmos na escola, percebemos a horta vazia. De tudo que plantamos sobraram apenas a cebolinha e a erva doce. O que teria acontecido? Não demorou muito para percebermos os coelhos se alimentando da horta. E agora? Como resolver este problema?
A frustração logo cedeu espaço para a resolução. Reunimos as crianças numa grande roda: quem tinha uma ideia, levantava a mão e apresentava sua sugestão. A solução dada pelas crianças foi construir uma cerca com portão para os coelhos não entrarem na horta. Novamente, foi preciso pedir ajuda. As crianças foram conversar com o Paolo e com o Bruno. Como numa reunião, apresentaram o problema para eles e solicitaram o auxílio para a construção. Saíram da reunião com algumas orientações: deveriam pensar no material da cerca e medir o tamanho da horta. Mais aprendizado que envolveu planejamento, contagem, medida e consenso.
No dia seguinte, um novo problema surgiu: uma das crianças brincava no quintal com outros colegas. Na brincadeira este menino era um coelhinho. Como um coelhinho sapeca, arrancou o que restou da cebolinha. Uma menina presenciou o fato e pronto… Tínhamos um cenário com todos alvoroçados, bravos dizendo que a culpa era do garoto. Foi preciso uma nova roda para que os sentimentos fossem acolhidos e verbalizados. O garoto também contou sobre a brincadeira. E agora? Como resolver? As cebolinhas que foram arrancadas não poderiam mais ser replantadas. Como tudo que acontece traz uma consequência, lançamos a pergunta para o menino. “Você tem alguma ideia de como resolver?”… “Já sei! Eu lavo as cebolinhas, levo para a Maria na cozinha e pergunto para ela se ela pode usar em alguma receita”. Problematizamos: “É uma boa ideia! Mas, talvez, a Maria não consiga usar toda a cebolinha de uma única vez. O que se faz com a sobra?”, depois de muito conversar, ponderar, a solução foi fazer uma receita na última semana de aula. O garoto propôs três receitas (pão, pizza e molho de cebolinha para servir com o macarrão da escola). As demais crianças escolheram em votação fazer pizza. Tudo acabou em pizza? Este é um termo que para nós adultos simboliza impunidade. Para as crianças foi uma lição de responsabilidade.
É chegado o fim deste semestre. Finalizamos com estes processos em andamento. Os materiais sugeridos pelas crianças para a cerca foram plástico, bambu, tijolo e madeira. Nossa pizza também já está agendada. Tem melhor jeito de celebrar?
As crianças aprenderam? Certamente! Cada uma, de seu jeito, pode contar aquilo que mais as tocou. Para nós, educadores, reafirmamos nosso compromisso e convidamos a cada família para permanecer nesta garantia de direitos. Toda criança tem o direito de SER. Sigamos nesta conexão, neste sistema único que nos faz pertencer e viver.
Que as férias sejam conectadas no quintal, na praia, na montanha, na floresta, no parque, na neve. Em família, em comunidade, em unidade. Bora lá?
Com carinho,
Karina Silva